sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Bom dia, passado!




























Conselho de Unidade do CSE vota proposta esdrúxula e antidemocrática para as próximas eleições.

O golpe dado no Brasil, a revelia de todas as leis e práticas históricas já começa a se reproduzir em efeito dominó. Liberados pelo exemplo dos “impolutos” políticos nacionais, professores do Centro Socioeconômico da UFSC decidiram também legislar sobre a vida das gentes abrindo mão do processo democrático. Pegando a trilha da ponte para o passado de Temer, apresentaram proposta de retroceder e realizar eleições para direção no sistema 70/30, que dá o peso de 70% para o voto dos professores. Segundo o professor Armando Lisboa, um dos defensores da proposta, isso se justifica pela meritocracia: os professores sabem mais que técnicos e estudantes.

Informados pelo representante dos técnico-administrativos – os TAEs tem apenas um representante no Conselho da Unidade -  sobre o golpe que seria dado sem o conhecimento da comunidade, estudantes, técnicos e professores se mobilizaram e realizaram debates. Desses debates surgiu a reivindicação de que o Conselho não votasse mudança de regras nesse momento em que o processo eleitoral já estava dado. Não houve jeito.

A direção do Conselho marcou reunião para essa quinta-feira, dia 22, dia de greve geral, no qual a universidade estava bem esvaziada, para realizar a votação, mesmo sendo solicitado que a reunião fosse adiada. De novo, ouvidos moucos. Ainda assim, estudantes, técnicos e professores foram para a gente da Sala dos Conselhos solicitar reunião aberta, para acompanhar o debate. Mas, o que esperar de golpistas? Mais uma vez os professores – que conformam a maioria do Conselho na proporção de 70% - negaram a participação democrática. Seguiram a portas fechadas, buscando decidir sobre a vida de todos, sem qualquer espaço de debate.

Informados pelos conselheiros estudantes, os que estavam do lado de fora iam acompanhando o debate. Como a comissão formada pelo Conselho não chegou a uma decisão, ficando empatada entre o voto paritário e o 70/30, o professor Helton Ouriques apresentou uma proposta ainda mais absurda: dividir os segmentos em 2/3 e 1/3. Com isso deixava os estudantes sem nenhum poder de decisão e incorporava os técnicos na urna dos professores, com peso ainda menor. O suprassumo do golpismo.

Nessa hora os manifestantes decidiram entrar e acompanhar a votação, uma vez que havia ainda o risco de a votação ser secreta, com os professores se escondendo sob o anonimato. Então foi a vez do festival de bobagens, com os mais exaltados dando de dedo no rosto de todo mundo chamando os colegas e estudantes de mal-educados. “Isso é que não é democracia”, diziam, quando eles mesmos haviam negado o direito de todos acompanharem o debate. Democracia, para os professores, é apenas aquilo que eles querem. A visão grega: direitos para alguns, exclusão da maioria.

O fato é que ninguém arredou pé e a reunião seguiu com a realização da votação. O professor Wagner, da Economia, provocou os manifestantes dizendo que ele era um homem de muita coragem, pois iria votar sem ligar para as pressões. No fundão, alguns professores mais jovens, com caras assustadas, e outros desafiadores, preparavam-se para seguir o líder. Um momento patético.

A votação foi, enfim, nominal. Uma a um os conselheiros foram dando seu voto na primeira votação. Deveriam dizer se eram a favor ou contra o voto paritário. Todos os representantes dos estudantes, de todos os cursos do Centro votaram a favor do paritário, o representante dos técnicos também e, entre os professores, apenas a valente representação do Curso de Serviço Social – Beatriz, Jaime e Dilceane – votou pelo paritário, conformando oito votos no total. Os demais professores dos Cursos de Contábeis, Administração, Economia e Relações Internacionais votaram contra o paritário, decidindo que os professores do CSE são “mais iguais” que os técnicos e estudantes.

Depois dessa votação passaram a outra votação, ainda mais vergonhosa, decidir se a eleição seria no 70/30, ou a partir da proposta do Helton, de 2/3 – professores e técnicos juntos, e 1/3 para os professores.  Venceu a proposta do Helton, com os professores “concedendo” aos técnicos a honra de dividir a urna, colocando os estudantes na posição de maior inferioridade. A universidade do mérito e o golpismo vencia a batalha. Os manifestantes se retiraram e não acompanharam a hora patética.

Agora, como os técnicos não foram consultados sobre a proposta de Helton Ouriques - que resolveu decidir pelos mesmos – a reação virá. É certo que o momento brasileiro, de trevas democráticas, é bastante propício para o levantes de figuras medíocres e ideias atrasadas, mas a batalha se fará.

O que fica como rescaldo da triste tarde de greve, na qual os professores do CSE dos cursos de Economia, Contábeis, Administração e Relações Internacionais fizeram o centro regredir, é a certeza de que a universidade segue sendo o espaço do atraso. Mas, apesar disso, também se pode perceber que os estudantes seguem vivos e rebeldes, que ainda há técnicos que se importam com a vida da instituição e professores que lutam para que a universidade seja livre e democrática. São tempos sombrios, mas a luta segue.


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

So-won - Hope

















Assisti a esse incrível filme sul-coreano por puro acaso. Zapeando, vi a chamada, achei interessante e dei o início. Uma história dura. O estupro de uma menina de oito anos, numa determinada cidade da Coréia do Sul. É baseado em uma história real. É pesado e é doce, bem distante dos filmes semelhantes produzidos no padrão “roliúdi”. O foco do trabalho não está nem no estupro, nem na busca do criminoso, mas na completa mudança de relações dentro da família e da comunidade.
As cenas mais incríveis são as da aproximação do pai a essa menina tão violentamente machucada. Importante registro desse mundo masculino oriental que sempre se nos aparece, aos ocidentais, como frio e insensível. É de uma ternura abissal. Igualmente lindo é o aspecto que envolve a amizade entre a garotinha e o menino, que é seu vizinho e antagonista na escola, e a profunda ligação do pai da menina com seu chefe e amigo.

É um filme sobre humanos e humanidade. É de uma beleza infinita. Choram-se rios de lágrimas, lágrimas boas. E fica-se com aquela sensação de que o ser humano pode transcender. É um filme devastador!

Atuação magnífica de Sol Kyung-gu. Super-recomendo.

Primavera





Os povos pagãos, nas suas culturas, sempre me pareceram mais sábios. Eles tinham como costume celebrar a vida nos equinócios e solstícios, rendendo homenagens às estações. E isso não era coisa à toa. É porque cada estação traz com ela suas bênçãos. No girar desta bola azul, as comunidades vão experimentando a beleza do outono, a introspecção do inverno, a volúpia do verão e a alegria da primavera. É ainda nesse lento rodopiar que a terra e as gentes vão encontrando seu momento de plantar, colher, descansar e dançar.

Pois hoje, nesta nossa parte do mundo, é o equinócio da primavera. No ritmo das estações, tudo começa a vicejar. A voz dos passarinhos fica mais forte, as flores embestam a aparecer e, a despeito de todas as dores e lutas, também as pessoas parecem florescer em festa.

Aqui estamos nós no imenso jardim vendo cada coisa que plantamos no inverno, apontar pela terra afora. Então é hora de dançar a dança dos deuses, fazer “pago à Pacha Mama”, reverenciar Inti (o sol), saudar Ñanderu, o grande pai Guarani, que com Jacy e Kuaray tornam esse mundo tão belo. É tempo de dizer o nome da beleza para que ela nos tome inteira como crêem os Navajos.

Um dia, bem longe, os povos do leste invadiram nossa Tekoá (terra-casa) e soterraram a cultura autóctone, trazendo novo deus e desconhecidos santos. Mas, sempre é tempo de recuperar nossa condição primeira, de povo de Abya Yala, e retomar velhos rituais. A caminhada dos tempos já tratou de mostrar que na profusão de deuses e deusas que co-existem nas mais variadas culturas, o que fica como certeza final é de que esta terra é sagrada e cabe a nós cuidar para que ela siga firme, com saúde e um lugar bom de viver. A Eko Porã do povo Guarani(terra boa e bonita para todos) .

Esse tempo ainda não vingou, proliferam as guerras, as gentes precisam migrar de um lado para outro buscando sobreviver em meio à destruição do capital. Mas, em cada ser que vive, brilha a indefectível esperança. Dia virá em que todos poderão dançar para Inti, Xangô, Pacha Mama, Viracocha, Iemanjá, Quetzalcoalt, Istsá Natlehi, Wakan Tanka, Krisna, Oxalá, Jesus, braços dados, irmãos. E a terra será bela, e o banquete repartido. Paraíso. Socialismo. Eko Porã.

Enquanto isso, celebremos, pois. Os passarinhos nos chamam, as flores perfumam a vida e nós temos a obrigação de render graças. Porque nada no mundo pode ser melhor que caminhar na direção da beleza, da vida plena, da alegria, da Eko Porã. Em meio à tormenta, cantamos, dançamos e plantamos jardins porque confiamos, como Jeremias, diante da sua terra arrasada, que ainda vingarão flores neste lugar...

Feliz primavera! Viva Abya Yala..


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A democracia ameaçada no CSE




A direção do Centro Socioeconômico chamou uma reunião para discutir a proposta de mudança de regras nas eleições no Centro. Mas, infelizmente não compareceu. Quem coordenou a mesa foi o secretário Roberto Alves, e a reunião já começou um pouco tumultuada, pois o professor Armando, da Economia, insistia que havia sido acordado com a direção de que ele falaria 15 minutos para defender sua proposta de 70/30. Depois de algum debate ficou acertado que seriam abertas as inscrições e cada pessoa falaria 10 minutos.

Ao longo da plenária, apenas o professor Armando Lisboa se manifestou e defendeu os 70/30. Todas as demais falas vieram no sentido de que fosse mantida a forma histórica, que é a paridade. Também foi feito o apelo aos conselheiros presentes – mesmo os que não se manifestaram – que pensassem sobre o tema, observando que mudar as regras nesse momento do processo praticamente se configura um golpe. A discussão do tema no Conselho de Unidade está marcada para essa quinta-feira, dia 22, justamente no dia da Greve Geral, o que reforça ainda mais a ideia de golpismo. Aproveitar um dia de luta externa para decidir sobre as eleições é, no mínimo, desonesto.

Ainda assim, os que mantêm a proposta da paridade estão organizados e deverão atuar em consequência. Da reunião ficou encaminhado que será levado até a direção o pedido de que na reunião de quinta seja decidido apenas o calendário da eleição e não os critérios. 

Ficou claro para a maioria que qualquer diretor ou diretora que se eleja sob o signo do 70/30 não terá legitimidade.

A seguir um resumo das falas das pessoas que se manifestaram no debate.

O primeiro a falar foi Armando Lisboa, da Economia. Ele veio defender a mudança das regras, de paritário para 70/30. Segundo ele, a alma da universidade é o mérito e que por conta disso os professores seriam os mais preparados para decidir os rumos da mesma. Citou Darcy Ribeiro, o qual considera um dos maiores intelectuais da esquerda, e pontuou que ele mesmo considerava que não havia igualdade entre os segmentos na universidade. Também lembrou Adorno e o fato de que esse chegou a chamar a polícia, em 1968, contra os estudantes revolucionários. Apontou ainda que as ideias de Córdoba estão superadas. Ou seja, usou teóricos de esquerda para respaldar a sua teoria de que  os professores são mais iguais que técnicos e estudantes.

A jornalista Elaine Tavares falou em seguida, lembrando que a democracia é uma palavra que precisa de adjetivo. Ela não existe em si mesma.  Apontou que a América Latina tem sido exemplo para  a Europa na construção de uma democracia participativa e protagônica (Venezuela ) ou na democracia direta (zapatistas) e que se precisamos buscar exemplo fora do Brasil para referendar nossas propostas, que esses exemplos sejam os avanços que temos conseguido nos países latino-americanos e não o atraso da Europa envelhecida. Também recordou aos presentes que Darcy Ribeiro teve seus equívocos na vida, ele não é uma religião. Quando da discussão da LDB – na qual ele propôs a lógica do 70/30 – os trabalhadores da educação foram muito críticos a ele. O fato de ele acreditar que os professores são os únicos que podem dirigir a universidade não significa que ele tenha de ser tomado como verdade. Apontou que a universidade ainda divide trabalho manual de intelectual e que isso é algo que já está superado, pois até mesmo para apertar um botão, o trabalhador precisa do intelecto. Falou ainda que o perfil dos trabalhadores técnico-administrativos nos anos 60 era diferente. A universidade não está descolada da mentalidade colonial e escravista. Tanto que os trabalhadores eram contratados por compadrio, e estavam acostumados a beijar a mão dos professores. Hoje não é mais assim. O mundo mudou, a universidade mudou, os trabalhadores mudaram. Ressaltou que historicamente os técnicos tem lutado pelo voto universal, e que aceitam o paritário como um ponto de convergência numa luta que ainda está se fazendo. Logo, caminhar para trás é inaceitável.

O professor Jaime, do Serviço Social, rebateu os argumentos de Armando Lisboa, mostrando que se a eleição no CSE tem de se dar no 70/30 porque os professores estão melhor preparados, então isso deveria valer para a eleição a qualquer cargo. Ou seja, a burguesia poderia dizer que é melhor preparada e dar menor peso ao voto dos trabalhadores numa eleição par a prefeito, por exemplo.  Para Jaime, todo ser social é capaz de exercer uma função na universidade. Também lembrou que em 1968 foram os estudantes que iniciaram as mudanças sociais, e que todos aplaudiram e se aproveitaram ao bel prazer da luta deles. Agora eles não são capazes? Criticou a direção do centro por se ausentar do debate  e insistiu que o CSE não pode restringir a democracia com base em argumentos sem validade.

Armando Lisboa voltou a se inscrever, trazendo novas passagens de Darcy Ribeiro e argumentou que já está na hora de a universidade como um todo fazer uma avaliação dos efeitos danosos do voto paritário. Também citou Cristóvão Buarque, apontando que o mesmo sempre foi contra a paridade.
Ricardo, aluno da Economia, também lamentou a ausência da direção do Centro e criticou Armando por usar Darcy Ribeiro – que sempre defendeu o protagonismo dos estudantes – para tentar defender o atraso. Alegou que o paritário não é suficiente, há que avançar para o universal e ressaltou que nada indica que os professores sejam os melhores preparados para gerir a universidade, basta ver como se comportam no dia a dia, com autoritarismo e arrogância, mandando os alunos calarem a boca.

A professora Vânia, do Serviço Social, apontou que toda a argumentação de Armando era contraditória. Como defender os 70/30 acusando os técnicos e estudantes de corporativismo, se a essência dessa proposta é corporativista. Dar poder somente aos professores. É o quê? Ela ainda lembrou que esse debate já estava superado desde o tempo das freiras no Serviço Social. Os professores não são os mais inteligentes para dirigir a universidade e isso se vê na própria organização dos mesmos. Segundo ela, os professores tem sido incapazes de atuar politicamente no sindicato, sendo que hoje existem dois sindicatos da categoria dentro da UFSC, e um impede o outro de atuar. Que inteligência é essa? Conhecimento técnico não tem nada a ver com conhecimento científico.

O estudante Tiago, da Economia, também se manifestou dizendo que a proposta do 70/30 rebaixa os estudantes e que é de estranhar que os professores  - que formam os estudantes – não tenham confiança na capacidade dos alunos. Sobre Darcy Ribeiro, ele lembrou que a própria UNB já superou essa ideia atrasada e hoje atua na paridade.

O professor Pedro Melo, da Administração, se manifestou argumentando que esse debate sobre a paridade vem desde o tempo em que ele entrou na UFSC, em 1978. E que essa discussão do 70/30 já está superada historicamente. Não há qualquer razão para mudar as regras do que já está estabelecido pela prática histórica.

O técnico-administrativo Maicon apontou que alegar mudança de regras pelo fato de o CSE ter poucos técnicos é absolutamente medíocre e mostra, inclusive, a incapacidade que o centro tem de gerir o próprio local de trabalho. Porque não se mudam as regras na eleição para reitor? Porque aí os técnicos são a maioria e as velhas regras de manutenção do poder podem ser usadas. É tudo casuísmo.  

O professor Irineu, da Administração, considerou lamentável a ausência da direção do centro. Mostrou que o debate do 70/30 apenas expõe uma realidade do CSE que é a de um pequeno grupo que se acha dono do centro. Lembrou que são as mesmas pessoas que na eleição para reitor levantaram o mesmo ponto, chegando a entrar na Justiça contra o voto paritário. E que a própria Justiça negou seus argumentos, considerando legal e legítima a consulta paritária. Apontou que a eleição para direção do centro será no dia 8 de outubro e não tem qualquer cabimento querer mudar as regras a essa altura do processo. A própria criação de uma comissão com número par mostra a incompetência.

A professora Beatriz, do Serviço Social, também desmontou os argumentos de Armando ao mostrar que a desigualdade já existe. O professor é quem detém o poder na hierarquia da universidade. Por que aprofundar ainda mais a desigualdade? O papel do intelectual é criticar as estruturas de dominação e as práticas discriminatórias, e não aprofundá-las. Como mudar as regras em pleno processo? Isso não tem fundamento. Afirmou ainda que se o Conselho de Unidade alterar as regras, sem um debate profundo, estará alterando à revelia da comunidade, de uma forma antidemocrática, impondo uma tirania.

O professor Rafael, da Administração, contou que trabalhou na UDESC como técnico-administrativo e que quando passou no concurso para professor ouviu dos colegas: agora sim tu cresceu. O que significa que para a maioria, ser técnico é não ter valor.  Argumentou que o professor não é neutro e que o que está em jogo são interesses. A universidade não é a-histórica e ninguém é superior a ninguém. Todos são capazes.

O técnico-administrativo Roberto lembrou que esse debate só estava acontecendo por causa do vídeo do Maurício, que, inclusive, está sendo bastante pressionado. Lembrou a todos que a fala do Maurício e a decisão de fazer o vídeo foi resultado de uma reunião dos TAEs do Centro e não uma decisão pessoal. Também deixou claro que a universidade é administrada por grupos de interesses e esse debate não está descolado desses grupos e desses interesses. Apontou que o corporativismo dos professores é grande. Não entende como abrir mão de um avanço democrático. “Como vou dizer ao meu filho que ele é igual a todo mundo na vida se ele chega aqui e vale mesmo?”  


O professor Jaime, do Serviço Social, fez um apelo aso Conselheiros que estavam na reunião (poucos) que mesmo querendo os 70/30 fizessem um esforço para perceber que querer mudar as regras do jogo agora é o mesmo que golpismo. Não há lógica na mudança de uma prática histórica, a menos que seja para dar um golpe. Pediu que recuassem nessa proposta, que mantivessem o paritário e depois, aí sim, se quisessem, chamassem um amplo debate. Mas, agora, é golpe.


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

20 de setembro - dia dos gaúchos e gaúchas de todas as querências


 Os lanceiros negros gaúchos, massacrados em Porongos

Fui criada na pampa, banda oriental. Sangue Charrua, artiguista e maragata. Quando criança, seguia apenas a tradição, contada e recontada por meu pai. Orgulho de ser gaúcha e farrapa. Depois, cresci, e fui beber nos livros. A revolução farroupilha começou a tomar outros contornos. Para alguns autores, nem foi revolução, apenas uma chantagem armada pelos latifundiários. Negros foram traídos na promessa de liberdade, e o povo pobre serviu de bucha de canhão. Os verdadeiros heróis da saga farrapa foram obscurecidos pelos “generais” oligarcas. Esses ganharam estátuas.

Estudei também a longa saga de libertação da América Latina e suas guerras de independência para escapar do jugo colonial. Nada muito diferente. Os criollos – inclusive Bolívar – nada mais eram do que os representantes do latifúndio, da oligarquia da colônia. E como na peleia gaúcha, também pelos campos de nuestra América caíram índios, negros e pobres, lutando por um sonho que não se fez real.

Bolívar foi um caso à parte. Nascido aristocrata começou sua cruzada contra Espanha ainda como um riquinho venezuelano. Foi sua derrota em 1813 que o colocou em contato com a gente real. 

Desterrado para a Jamaica, ele acabou no Haiti, onde foi buscar ajuda com o general Alexandre Petión, então comandando a nação negra recém-liberta. Petión mostrou a Bolívar que nenhuma liberdade poderia vir sem o compromisso do fim da escravidão e sem o respeito aos indígenas. Bolívar concordou. E firmaram um pacto. Petión dava os barcos, as armas e as gentes e Bolívar se comprometia por varrer a escravidão da América baixa.

Foi assim que começou a libertação. Desde a vontade política da nação negra haitiana. Bolívar não pode cumprir a promessa que fizera a Petión. Traído pelos seus próprios companheiros - que nunca haviam deixado de ser fazendeiros sedentos por terras e poder - ele mesmo encontrou a morte, sem conseguir libertar os escravos. Onde pode, o fez. Mas, derrotado e morto, não conseguiu honrar, na íntegra, o acordo com o general haitiano.

No Uruguai, outro homem incrível da guerra de independência, Artigas, mobilizou para frente de batalha as mulheres, os negros e os índios. Tinha para eles a promessa da liberdade. E eles o seguiram, inclusive na derrota, porque confiavam. Artigas, como Bolívar, também foi traído, mas viveu para ver o massacre de seus irmãos Charrua na carnificina de Salsipuedes. São os Charrua, um dos grandes artífices da libertação do Uruguai, bem como os negros e as mulheres que, derrotados, também passaram ao esquecimento. Mesmo Artigas, morreu desterrado.

No Rio Grande não foi diferente. Sob as bandeiras dos latifundiários, se levantaram as gentes. Negros, índios, mulheres e homens, em busca da sonhada liberdade, da terra, da vida boa. Nesse caso, traídos pelos fazendeiros que, acordados com o governo imperial, voltaram à vida normal tão logo se sentiram contemplados, enquanto tantos pereceram na tentativa de alcançar esse sonho. O massacre de Porongos, dos lanceiros negros, segue uma chaga aberta. 

Todo repúdio aos traidores, aos fazendeiros, aos políticos sem coração. Mas, todas as honras aos homens e mulheres que acreditaram no sonho da liberdade, que enfrentaram a degola, as baionetas, o vagalhão da violência e da morte. Os “de abajo”, os pequenos, a maioria, que semeou o chão do Rio Grande com seu sangue.

Sim, houve uma revolução, porque as gentes a fizeram em nome da liberdade.  Sim, tivemos heróis. Mas seus nomes não estão no panteão rio-grandense. O que não significa que não possamos reverenciá-los. Porque, afinal, eles ainda vivem no corpo de toda uma nação que segue dependente.  

Essa gente somos nós!