sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ocupação Amarildo desvela a cidade




Quem chega na cidade de Florianópolis com olhos de turista ou de babaca-disposto-a-baladas tende a enxergar uma cidade repleta de oportunidades de diversão. São 42 praias, das mais belas que existem, mar grosso, mar de baia, mar com ondas médias, lagoas, enfim, natureza para todos os gostos. Também tem gente bonita, bronzeada, tem o centro histórico, a Praça XV, a decoração de natal. Têm as casas de show, os bares da moda, a algaravia da vida noturna na Lagoa. Mas, os que chegam como viajantes, cheios de curiosidade acerca da cultura, da vida real, esses podem ver uma outra cidade, invisível para os que procuram apenas divertimento.

As pessoas que tornam real o “parque de alegrias” dos turistas e que, no geral, são percebidas como borrões na paisagem, ocupam o Lado B da ilha da magia. Elas vivem na periferia da cidade ou então em outros municípios vizinhos, como Palhoça ou São José. São aquelas que precisam pegar três ônibus para chegar ao trabalho, vivenciando a amargura do transporte desintegrado, todos os dias. São as que, dia após dia, vão sendo empurrada para mais longe da parte “bonita” da cidade. As que não têm o direito de “sujar” a paisagem com suas presenças incômodas. Aos trabalhadores que arrumam as camas dos hotéis, que fazem a comida, limpam os banheiros, servem as mesas é negado o direito de viver nas áreas nobres.

Um exemplo disso foi a comunidade Vila do Arvoredo, chamada pelo poder público e pelos moradores “nobres” de  Favela do Siri. É um espaço na bela praia dos Ingleses que foi ocupado por gente que ali trabalha, mas que não tem condições de pagar aluguel. Muitas foram as tentativas de retirada das famílias e muito se discriminou o pessoal, chamado de marginal, vagabundo, e toda a sorte de adjetivos pejorativos. Que se resgistre: eram pobres, erguendo casas simples e tentando sobreviver. Foi preciso muita luta para conseguir se manter no lugar, e até hoje ainda não está resolvida a situação das famílias. 

O fato é as gentes precisam dar conta da proteção de sua prole. Como os ricos, os empobrecidos também querem erguer suas casas e garantir a moradia. E, para esses últimos, no geral, é sempre melhor que seja perto do trabalho por motivos óbvios: não se gasta com transporte, coisa que corrói boa parte do orçamento, além do tempo perdido no trajeto. Isso deveria ser bastante compreensível para todo mundo. 

Pois é esse motivo singelo, mas fundamental – o direito a moradia – que faz com que muitas famílias precisem apelar para medidas mais radicais, capazes de fazer com que a vida seja possível: a ocupação de terras ociosas. O sistema de organização da vida consolidado no modo capitalista insiste em transformar tudo em mercadoria, inclusive a terra. Então, os ricos compram terra para especular ou para construir seus espaços de ócio. Não querem saber de pobreza ao redor. Os pobres que se virem, que fiquem longe. Então, os governos criam projetos habitacionais em outros municípios ou nos ermos periféricos e querem ainda que as gentes agradeçam pelo “favor”. 

Mas gente há que insiste em fazer um caminho contrário. Não quer ser expulsa do paraíso. Se trabalha nos Ingleses, como morar em Palhoça? Se trabalha em Canasvieiras, porque não morar ali? 

Foi esse sentimento que moveu 60 famílias que ocuparam há uma semana um espaço de terra em Canasvieiras. O sonho de ter uma casa para morar, perto de onde ganham a vida. Para que os filhos estejam próximos, para que sobrem reais no final do mês. A terra pertence a uma empresa chamada Florianópolis Golf Club, que, em tempo recorde, já conseguiu a reintegração de posse. Ou seja: a justiça mandou arrancar de lá as famílias. Gente pobre, não. Melhor um campo de golf, bem verdinho, onde senhores abastados possam passar suas horas de ócio.  

Os legalistas dirão: “a terra tem dono, então, está certo”. E são os mesmo legalistas que acham absurdo demarcar terra indígena. Será que, como no caso de Canasvieiras, o que está em questão é o “tipo de gente”? Bom lembrar que essa mesma comunidade protagonizou um patético momento ao realizar uma passeata pedindo a expulsão dos mendigos da praia, como se os mendigos fossem coisas, e não a dramática consequência dessa sociedade de consumo, de exlusão e de exploração. No geral, os argumentos são os mesmos: gente pobre forma favela e favela só tem bandido, que traz a droga e o crime. Gente pobre traz a droga? Em que mundo?  

O fato é que mais um foco de tensão na luta pela moradia está criado em Florianópolis. Há pouco tempo, famílias ocuparam um terreno na Trindade, outro bairro nobre da cidade. Agora, é tempo da queda de braço. As famílias querem um lugar para morar, livres do aluguel exorbitante. A justiça quer que a terra seja desocupada. A empresa quer criar seu campo de golfe. O prefeito precisa encontrar um jeito de atender a todos. O fará? Não sabemos. Mais fácil é enviar a polícia e derrubar os barracos, colocar o terror nos olhos da crianças, como fizeram em Pinheirinho, São Paulo. É uma opção. 

Para os que apoiam a luta das famílias, entendendo a necessidade do abrigo sem custo, é tempo de trabalhar no sentido de articular as lutas todas da cidade. Há poucas semanas vivemos uma votação esdrúxula na Câmara de Vereadores. Foi aprovado, em duas tardes, um Plano Diretor que nenhum vereador conhecia, com o acréscimo de mais de 300 emendas, também desconhecidas. Esse era um momento em que todas as forças políticas tinham de estar ali, pressionando. Era a vida da cidade como uma totalidade que estava em jogo. As ações de luta ou de resistência particulares só poderão fazer sentido se colocadas nesse todo que é a cidade. Essa é a hora de avançar na consciência de classe, no entendimento do sistema como um todo. Compreender  que a forma como se organiza uma cidade é a forma que pode excluir, alijar, discriminar, explorar, matar. 

Desgraçadamente não foi o que se viu na Câmara de Vereadores. Estavam apenas algumas comunidades mais engajadas, pessoas, ambientalistas, pouco mais de 100 almas. Pois o que passou na Câmara diz respeito a ocupação Palmares, na Serrinha, ou a ocupação Amarildo, agora em Canasvieiras. Diz respeito à Vila do Arvoredo, ao Papaquara, aos morros da cidade, às periferias. É certo que os empobrecidos estão muito ocupados em garantir a sobrevivência do dia a dia, mas são esses momentos de luta e união que podem fazer a diferença no processo de compreensão da cidade.  

As lutas dentro da cidade são as chagas vivas do sistema. Momento abissal de tomada de consciência. As gentes da ocupação Amarildo vão resistir, e precisam, nessa resistência, compreender porque estão nessa condição, porque não têm direito à cidade, porque não podem morar em Canasvieiras, porque são vistas como marginais. Só com a clareza dessas respostas poderão enfim atuar na sociedade como autoras de suas próprias existências, escrevendo elas mesmos suas falas, na construção de uma cidade diferente, de um país diferente, um mundo diferente. 

No primeiro comunicado divulgado ao mundo, hoje (20.12), elas apontam: “As crianças levantaram bem e mesmo com uma noite longa e escura, anunciada pela oficial justiça, todas tiveram sonhos lindos, principalmente as crianças que não dormiram. Essas crianças são os anjos rebeldes de casca grossa... Magia é Ilha para todos! Quanto muito é o aluguel, pouco é o pão. Terra, Trabalho, Teto e Liberdade conquistados têm o gosto do alimento sagrado. Hoje vamos precisar compartilhar resistência, sabedorias e desobediência com muita gente. Estamos juntos, somos fortes!”

E é isso. Juntos, somos fortes. Na luta por um projeto de cidade que não seja excludente. Na luta pela destruição do capitalismo como modo de organizar a vida. 

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Um menino a passear...


Sou filha do meu tempo e espaço. Nascida numa família cristã, desde pequenina o natal significou presépio, ou seja, a montagem da hora mágica na qual um menino veio ao mundo para anunciar uma boa nova. E, com ele, a promessa de que haveria outra aliança e que nossos pecados todos estariam perdoados. Lá em casa sempre demos prioridade a isso. Nunca ao Papai Noel, brinquedos, compras, etc... A expectativa era a chegada do menino. Eu mesma sempre colocava o sapato na janela, mas a mãe explicava: “os presentes não são coisas, são sentimentos e desejos”. Então, quando o dia amanhecia eu entendia que um gurizinho tinha nascido e, por força da mágica da religião, também havia passado pela janela deixando amor, saúde, alegria e todas essas coisas boas. E recolhia aquele sapato como se fora a coisa mais preciosa do mundo.

Na minha mente de criança eu imaginava não um velhinho montado no trenó, com renas e todas estas coisas da celebração européia. Eu acreditava piamente que havia um menino, bem sapeca, magrelinho e sem camisa, que saracoteava pelo mundo, montado numa grande estrela, levando presentes invisíveis aos olhos. E eu esperava o ano inteiro por esta noite de passeio divino. E o legal era que o fato dele ser um guri tirava toda a pomposidade do sagrado filho. Era como esperar um amigo, coisa íntima.

Depois eu cresci e fui conhecendo outros mitos, outras religiões. Aprendi a dar pago à terra (Pachamama) em agosto, a respeitar o trovão, a folha de coca, as plantas, os animais. Aprendi a honrar Kuaray, jacy, Ñanderu. Aprendi a reverenciar outras manifestações criadas pelo humano para sustentar suas dores e medos. Porque é disso que se trata quando se fala de deuses. Eles são redes nas quais descansamos de nossos terrores. E, esta construção humana me enche de ternura, porque reconheço aí a fragilidade da nossa raça. Isso me emociona.

Mas, apesar de tudo o que aprendi sobre os outros deuses, o natal ainda me encanta de um jeito muito especial, talvez porque esteja colado na minha mãe, que já encantou. Então, a despeito de todas as impossibilidades, eu espero o menino. Às vezes, nos tumultos familiares ou no barulho da festa, pode parecer que eu o esqueci, mas não. Lá no fundo do meu coração, eu o espero. E o vejo chegar, montado na estrela, rindo seu riso de cristal. Também a despeito de tudo, ainda deixo meu sapato na janela e o recolho de manhã com a absoluta certeza de que ali dentro estarão os presentes. Os que verdadeiramente importam.

E, assim, nesta natal, como em todos os outros já vividos, meu jesuzinho haverá de vir passear. E eu estarei esperando...

Que ele passe por aí também!...

Gente da Terra lança mais um CD - cultura viva da nossa terra

Temos aqui em Florianópolis uma maravilha cultural. É o grupo Gente da Terra, que faz música com temas locais, que conta da vida cotidiana, da cultura, das brincadeiras. Um trabalho emocionante, instigante e de grande qualidade. Ancorado em Nilo Conceição e Amaro Manoel reúne uma gente bamba, de primeira linha. O Quarto CD do grupo será lançado nessa sexta-feira, dia 20, lá no Engenho do Ataíde, na Rodovia João Gualberto Soares - Rio Vermelho, as nove da noite. Paga 20 pila, vê o show e ainda leva o disco. Tudo de bom. Aqui dá para vê-los, no primeiro de maio do Campeche. Alegraram a praia e a vida da gente.